Estou de volta à minha terra, ao meu rio.
Sentado, observo na margem direita que mora no outro lado, a cidade onde nasci, a antiga, mui nobre, sempre leal e invicta cidade do Porto, mas cedo fui trasladado para a margem esquerda, onde cresci, construi amizades e estabeleci das mais importantes ligações na minha vida, a relação que tenho com este rio. Eternamente agarrada a essa, e mais importante, era a relação com os meus companheiros do rio. Eu, o Rui, o João e a Ritinha, sim Ritinha, decidimos admitir a Rita no grupo apenas porque passou com distinção nas provas de alcance do cuspo e arroto a 4 semi colcheias por compasso. Digo distinção para não dizer vencedora, o que foi humilhante para nós, porque até ao seu ingresso, a Ordem secreta dos ratos do Taburno (local de reunião e pilhagem) era exclusivamente constituída por candidatos a rapaz e nunca pensamos ser vencidos, especialmente por uma rapariga.
Naquela época, éramos garotos e, passávamos o dia tomar banho no rio e arremessar pedras aos rabelos.
Sentado, observo na margem direita que mora no outro lado, a cidade onde nasci, a antiga, mui nobre, sempre leal e invicta cidade do Porto, mas cedo fui trasladado para a margem esquerda, onde cresci, construi amizades e estabeleci das mais importantes ligações na minha vida, a relação que tenho com este rio. Eternamente agarrada a essa, e mais importante, era a relação com os meus companheiros do rio. Eu, o Rui, o João e a Ritinha, sim Ritinha, decidimos admitir a Rita no grupo apenas porque passou com distinção nas provas de alcance do cuspo e arroto a 4 semi colcheias por compasso. Digo distinção para não dizer vencedora, o que foi humilhante para nós, porque até ao seu ingresso, a Ordem secreta dos ratos do Taburno (local de reunião e pilhagem) era exclusivamente constituída por candidatos a rapaz e nunca pensamos ser vencidos, especialmente por uma rapariga.
Naquela época, éramos garotos e, passávamos o dia tomar banho no rio e arremessar pedras aos rabelos.
A antiga carcaça do velho Chico da cerca era de longe a mais fustigada, também por ele ser o mais rezingão e o valente detentor da Arte de debitar palavrões à moda do Porto, ou seja, no fundo são palavrões que saem da boca de mão dada. Realmente era fantástico, lembro-me perfeitamente de deliciarmo-nos com aquelas sinfonias até à rouquidão, porque aquele campeão conseguia elaborar frases inteiras em que o único termo simpático e pouco utilizado, era “seus filhos” e realmente éramos quase filhos dele, sem a nossa temível presença, ele passaria os dias cabisbaixo com ombros descaídos, cabeça tombada para baixo e protegida pela gasta boina preta, que apenas permitia descortinar os cigarros quase não fumados.
Lembro-me também do dia em que ele surpreendeu-nos, quando após o inicio de um dos nossos bombardeamentos cerrados, vimos o velho Chico da cerca desfilando calmamente pelo rabelo como um tartesso, até baixar-se e entrar como um rato pelo taburno. Esperamos uns bons segundos para não desperdiçarmos munições, porque o divertimento não era apenas acertar no barco, mas também ver o velho rezingão esquivando-se das pedras enquanto cantarolava o tal palavreado sempre iniciado por “Oh seus filhos”. Naquele compasso de espera, de braços esticado para trás como autenticas catapultas, aguardávamos ansiosamente que o velho saísse daquela câmara, até que o Rui disse a frase chave, Oh Velho maricas vem cá para fora, e o malvado saiu com algo na mão esticando o longo braço para trás. Naquele instante reparamos que das palavras passou tinha passado para a acção.
O Chico da cerca, tinha planeado uma feroz retaliação e surpreendeu-nos com uma violenta investida tocada a fisga, cada um de nós fugiu para seu lado, e só me recordo de ouvir uma coisa inédita, as pedras lançadas daquela fisga assobiavam, parece que ainda consigo ouvir o som das pedras cantantes ressaltando e ricocheteando em tudo o que era chão e paredes dos velhos barracões. O velho dava gargalhadas, e gritava, Então campeões? Afinal quem é o maricas? Naquele dia ficamos tristes, por ele ter trocado os tradicionais e familiares insultos verbais pelas pedras cantantes, e com isso, quase que nos sentiamos traídos. Voltando ao presente, olho para o rio, para os rabelos, e na minha expressão surge um sorriso que é antigo.
Lembro-me também do dia em que ele surpreendeu-nos, quando após o inicio de um dos nossos bombardeamentos cerrados, vimos o velho Chico da cerca desfilando calmamente pelo rabelo como um tartesso, até baixar-se e entrar como um rato pelo taburno. Esperamos uns bons segundos para não desperdiçarmos munições, porque o divertimento não era apenas acertar no barco, mas também ver o velho rezingão esquivando-se das pedras enquanto cantarolava o tal palavreado sempre iniciado por “Oh seus filhos”. Naquele compasso de espera, de braços esticado para trás como autenticas catapultas, aguardávamos ansiosamente que o velho saísse daquela câmara, até que o Rui disse a frase chave, Oh Velho maricas vem cá para fora, e o malvado saiu com algo na mão esticando o longo braço para trás. Naquele instante reparamos que das palavras passou tinha passado para a acção.
O Chico da cerca, tinha planeado uma feroz retaliação e surpreendeu-nos com uma violenta investida tocada a fisga, cada um de nós fugiu para seu lado, e só me recordo de ouvir uma coisa inédita, as pedras lançadas daquela fisga assobiavam, parece que ainda consigo ouvir o som das pedras cantantes ressaltando e ricocheteando em tudo o que era chão e paredes dos velhos barracões. O velho dava gargalhadas, e gritava, Então campeões? Afinal quem é o maricas? Naquele dia ficamos tristes, por ele ter trocado os tradicionais e familiares insultos verbais pelas pedras cantantes, e com isso, quase que nos sentiamos traídos. Voltando ao presente, olho para o rio, para os rabelos, e na minha expressão surge um sorriso que é antigo.
Eu adorava o velho, acho que aquela brincadeira fútil tirou-lhe anos de cima dos ombros descaídos, e naquele momento ele voltou a ser criança, perdendo por instantes toda a amargura que arcava naquele semblante. Tenho saudades tuas, velho Chico, Oxalá estejas como eu estou agora, sorrindo por lembrar-me dessas brincadeiras, porque também foi assim que crescemos todos na beira deste rio, rio de trabalho, rio que une, rio que separa, rio que liga, rio que rega, rio que trás e leva, rio da nossa vida. Crescemos também com estes cenários de assistir a um velho viúvo amargo como fruta amadurecida na sombra, de costas voltadas à vida, com filhos e netos ausentes, voltar a divertir-se e a sentir que a vida ainda tinha muito para lhe dar. Naquele instante, quando ele saiu do taburno sentimos que éramos todos colegas e amigos, não tínhamos idade e brincámos como se não existissem abandonos, doenças, trabalhos de casa, pais bêbados, ou desilusões. Estávamos simplesmente ali, alegres, sem passado e sem futuro, e foram dos melhores momentos da nossas aventuras, e penso que também do velho Chico.
Afinal a brincar, também se cresce.
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