Infinitamente Cheio de Luz
Eu Saí,
coberto num manto de angustia,
acabei por derramar as palavras no chão.
Estavam sujas, gastas e obsoletas,
e ali ficaram, abandonadas por nós em terras secas,
como pedras caídas da mão.
E tu ficaste,
naturalmente na tua elegante bondade
permaneceste de asas escondidas,
e sempre altiva nessa assombrosa tranquilidade,
ocultaste que também os anjos carregam feridas.
29 julho, 2008
Polinizadoras Simpáticas com mau feitio
Neste fim-de-semana, fui cumprir o já ritual anual na Quinta da Serra, fui à cresta. Para quem não sabe, a Cresta, é um género de trabalho que, consiste em subtrair o trabalho árduo de meses de outros animais e que ficam sempre um pouco aborrecidos demonstrando-o com os seus ferrões.
Posso com toda a certeza afirmar por experiência própria, que não é lá muito agradável sentir aquelas espadas cravadas na nossa pele com o veneno e vísceras do animal ainda a palpitar espalhando o veneno, ou seja, dor.
Posso com toda a certeza afirmar por experiência própria, que não é lá muito agradável sentir aquelas espadas cravadas na nossa pele com o veneno e vísceras do animal ainda a palpitar espalhando o veneno, ou seja, dor.
Naquele instante, o pobre animal termina a sua existência, num dos gestos mais nobres que se conhece, defender a casa à custa da própria vida. Elas até podem não ter consciência, mas se deixarmos o acto não deixa de dar-nos lições sobre a nossa forma de estar na vida, em especial perante aquilo que defendemos e acreditamos.
Nestes momentos, enquanto contribuo no furto à descarada e vejo-me rodeado por estes simpáticos animais, agora irritados, volto a ter presente no imaginário a imagem de uma abelha ampliada tipo… abelha maia mas com um ar muito menos simpático, com dentes serrados (como se tivessem dentes… pff) e fortemente armada com uma potente arma branca, e sem o puto lá em cima a fazer birra por querer mais uma moeda.
Mas analisando bem, estes são os insectos mais simpáticos e úteis que conheço, embora pequenos e irracionais, podem dar algumas lições aos humanos sobre organização, dedicação e lealdade. Até pode ser tudo baseado em instinto, mas diga-se de passagem que quem lhes programou este instinto fez um excelente trabalho, e é também isso que podemos contemplar nestas tarefas.
Além da ajuda social que prestámos uma vez que o resultado do nosso trabalho vai reverter a causas sociais, temos sempre presente que também estamos a contribuir para a manutenção e preservação dos ecossistemas existentes.
Ao subtrair-lhes o mel, deixamos na colmeia reservas para o Inverno, e evitamos desta forma a sobrealimentação dos animais, com todos transtornos associados, celulite nas coxas e nádegas das abelhas, e barrigas de empreiteiro aos Zângãos. O resultado são colónias de abelhas trabalhadoras e elegantes. Ao cuidar, e expandir (desdobramentos) destas colmeias estamos a interferir de forma positiva no ecossistema, com mais abelhas, além da produção do mel, incrementa-se a polinização, o ambiente agradece, tal como as senhoras que recebem flores.
Não houve vagar para fotos da actividade, mas depois de uma tarde de algum trabalho, houve tempo para descansar no meio de uns bichos simpáticos e curiosos, e tirar-lhe umas fotos, que justificam-se pela beleza… sempre natural.





27 julho, 2008
Tiros no sistema
Caros Amigos,
No nosso país há famílias que pagam 5€ de renda à câmara, e por serem uns coitadinhos, que vendem de tudo um pouco mas sem facturas, recebem o rendimento social de inserção que, se habilmente reclamado por uma família de “primos” chega a ser superior ao vencimento mínimo.
Estes coitadinhos, insatisfeitos com o rendimento social de inserção, e com casas de rendas a 5 € ainda ficam indignados por morarem em bairros com pretos, e portanto exigem morar num bairro “limpinho”.
Este sistema de leviandade, vai dando benesses aos pobres desempregados e classes “desfavorecidas” ou seja, no geral, “ajuda” sempre os coitadinhos mas da pior forma, viciando-os em obterem os direitos sem que tenham deveres. Este sistema que vai favorecendo a filosofia de vida “quero ganhar mais fazendo cada vez menos” e vai criando rivalidades, sempre que possíveis raciais.
Com estes e outros desleixos, permitiu-se que umas equipes de gangs rivais tenham vindo para a via publica brincar ao tiros.
Para dar a segurança aos coitadinhos, decide-se colocar polícias com colete prova de bala e metralhadoras que arriscam a vida nesse bairro onde vivem os coitadinhos com rendimento social de inserção superior ao vencimento do polícia que arrisca-se a levar um tiro de um coitadinho.
Mas... cuidado que isto pode não ficar apenas por aqui, se ouvirem tocar a campainha sem estarem à espera de alguém, certifiquem-se bem pelo postigo que quem está do lado de fora não é o Francisco Louçã, e caso seja, é melhor não abrirem a porta, porque ele irá entrar em Vossa casa com uma família cigana e manifestará toda a indignação:
"Você não tem vergonha? Aqui refastelado no seu confortável sofá enquanto famílias inteiras de ciganos dormem nos bancos de jardim?"
As ultimas notícias levam-me a pensar com toda a preocupação no futuro... e em conversas com o José Rodrigues dos Santos pedi-lhe para incluir do seu futuro best-seller O 8º Selo, o seguinte...
-
Num futuro próximo, a intensidade da luz solar irá diminuir para o equivalente de uma lâmpada de 20 watts e as pessoas com a capacidade sobre-humana de semicerrar os olhos vão ter uma vantagem na luta pela sobrevivência.
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Num futuro muito, muito próximo, todos vão falar a mesma língua mas ninguém a vai saber falar correctamente.
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Num futuro próximo, as vacas vão passar a funcionar a gasolina, baixando desta forma o preço dos cereais e aumentando o preço dos combustíveis. Não faz sentido?? Pois... é mesmo assim.
-
Num futuro próximo o Talvez Engº, Talvez Fumador José Socrates irá apresentar uma nova Energia Renovável, que será pioneira em todo o mundo. A Disparina. Aparelho que transformará disparates em energia eléctrica, através de painéis idiotovoltaicos.
A 1ª unidade móvel será instalada no Funchal, nas imediações da boca do D.Alberto João I, cuja capacidade de produção rondará os 500.000 MegaWatts. O estudo de viabilidade indica que o investimento de 5.432.322.432,52€ será amortizado em 1 ano, no entanto, o Governo terá que obter o licenciamento junto da República da Madeira. Esta medida já foi aplaudida pela bancada dos verdes, que congratulam-se também com a elevada redução de poluição sonora, uma vez que o aparelho irá absorver os disparates na ordem dos 90%, havendo assim apenas 10% de resíduos sonoros.
22 julho, 2008
Des.Acordo Ortográfico
Hoje, sua Excelência O Presidente da República promulgou o Acordo Ortográfico.
Ora, compreendo as necessidades de haver um acordo ortográfico, mas as alterações propostas nao são as mais sensatas.
No entanto, acho que deveria aproveitar-se a onda de intenções de reabertura de processos (como a caso Maddie) para analisar-se, procurar provas e investigar quem é que foi o responsável da corte pelo esquecimento do Dicionário de Português aquando da fuga do Rei D.João VI para o Brasil em 1808. Isso é que era realmente importante… Apurar responsabilidades, porque nunca é tarde, mesmo que seja a 200 anos depois, de certeza que esse indivíduo deixou descendência a quem deverão ser imputados os custos relacionados agora com esta trapalhada toda.
Ora, compreendo as necessidades de haver um acordo ortográfico, mas as alterações propostas nao são as mais sensatas.
No entanto, acho que deveria aproveitar-se a onda de intenções de reabertura de processos (como a caso Maddie) para analisar-se, procurar provas e investigar quem é que foi o responsável da corte pelo esquecimento do Dicionário de Português aquando da fuga do Rei D.João VI para o Brasil em 1808. Isso é que era realmente importante… Apurar responsabilidades, porque nunca é tarde, mesmo que seja a 200 anos depois, de certeza que esse indivíduo deixou descendência a quem deverão ser imputados os custos relacionados agora com esta trapalhada toda.
No fundo do mar
Volto para matar saudades, mas também para concluir o curso Advanced para mergulhos mais profundos, porque por vezes sente-se a necessidade de ir mais fundo, ou simplesmente ao fundo.
Volto porque preciso de tudo aquilo que me dás.
Que saudades... este sossego, deixar embalar-me no silêncio dos teus braços, contemplando a valsa das gorgónias.
Andar aqui embalado, olhar para o teu fundo e ver a areia onde o tempo poisou como um lençol de seda, leve e macio, e ali ficou, estático como as lembranças. Nesta sempre curta hora de prazer, deixei todo o lastro da minha vida lá em cima, lá fora, onde rebentam ondas de saudades.
Ondas que defazem rochas, que com a ajuda do tempo passam a areia, areia que vem para o fundo, onde repousa o tempo.
Agora tudo faz sentido, porque em nada se pensa. Apenas ver, sentir e deixar-me levar na valsa onde tudo e todos se respeitam dentro das leis da natureza. E nisto, apenas invadi a privacidade de um jovem Safio que estava a descansar na sua gruta. Como era o exame "Fotografia Subaquática" tive que tirar umas fotos que aproveito agora para partilhar, embora as condições de visibilidade, a quantidade de peixe e a habilidade do fotografo não fossem as melhores.
Condições de mergulho
temp água.15ºC
visibilidade. 3metros
local. Jardim dos polvos (que foram de férias para o algarve)
prof. max. 28 metros
duração. 47 min
Fotos por ordem
a entrada, costa de cascais, nudibrânquio, estrela-do-mar, eu, eu, jorge, safio, fundo, Acionário, Judia, Pargo, Espirógrafo
Volto porque preciso de tudo aquilo que me dás.
Que saudades... este sossego, deixar embalar-me no silêncio dos teus braços, contemplando a valsa das gorgónias.
Andar aqui embalado, olhar para o teu fundo e ver a areia onde o tempo poisou como um lençol de seda, leve e macio, e ali ficou, estático como as lembranças. Nesta sempre curta hora de prazer, deixei todo o lastro da minha vida lá em cima, lá fora, onde rebentam ondas de saudades.
Ondas que defazem rochas, que com a ajuda do tempo passam a areia, areia que vem para o fundo, onde repousa o tempo.
Agora tudo faz sentido, porque em nada se pensa. Apenas ver, sentir e deixar-me levar na valsa onde tudo e todos se respeitam dentro das leis da natureza. E nisto, apenas invadi a privacidade de um jovem Safio que estava a descansar na sua gruta. Como era o exame "Fotografia Subaquática" tive que tirar umas fotos que aproveito agora para partilhar, embora as condições de visibilidade, a quantidade de peixe e a habilidade do fotografo não fossem as melhores.
Condições de mergulho
temp água.15ºC
visibilidade. 3metros
local. Jardim dos polvos (que foram de férias para o algarve)
prof. max. 28 metros
duração. 47 min
Fotos por ordem
a entrada, costa de cascais, nudibrânquio, estrela-do-mar, eu, eu, jorge, safio, fundo, Acionário, Judia, Pargo, Espirógrafo
17 julho, 2008
Música para todos
Ontem, à falta de melhor programa decidi ir ao concerto de guitarras no Anfiteatro Fernando Lopes-Graça em Tomar.
Prevendo alguma enchente, fui um pouco mais cedo para ficar num bom lugar e comprar bilhete.
Ora...
1ª surpresa agradável - entrada gratuíta.
2ª surpresa agradável - Desempenho dos Guitar'Essonne que é uma Pequena orquesta de cordas, dirigida por um Português residente em terras gaulesas, em que os restantes 12 guitarristas eram Franceses. Tocaram musica celta, Renascentista, Barroca, Reggea, Blues, Jazz acompanhados com bateria, e Latino-Americanas que incluiram Brasileiras e como cereja em cima do bolo, e bem acompanhados por um acordionista, tocaram um Tango do Astor piazzolla, ainda por cima o Libertango, que é dos meus favoritos.
Prevendo alguma enchente, fui um pouco mais cedo para ficar num bom lugar e comprar bilhete.
Ora...
1ª surpresa agradável - entrada gratuíta.
2ª surpresa agradável - Desempenho dos Guitar'Essonne que é uma Pequena orquesta de cordas, dirigida por um Português residente em terras gaulesas, em que os restantes 12 guitarristas eram Franceses. Tocaram musica celta, Renascentista, Barroca, Reggea, Blues, Jazz acompanhados com bateria, e Latino-Americanas que incluiram Brasileiras e como cereja em cima do bolo, e bem acompanhados por um acordionista, tocaram um Tango do Astor piazzolla, ainda por cima o Libertango, que é dos meus favoritos.

3ºsurpresa agradável - O Acordionista, produto nacional, cujo nome não me recordo, era mesmo muito bom. A solo tocou mais 2 tangos, e algo que ainda não tinha assistido, meteu aquele instrumento vocacionado em portugal para a musica foclore a tocar La Primavera do Vivaldi. Impressionante foi ouvir uma orquesta dentro de um acordeão, foi um momento de magia, foi mesmo muito bom... ver aquilo que todos sabemos, mas é raro ver instrumentos vocacionados para um estilo, tocarem outro, é o que adoro na musica.
A musica é magia! Pequenos pedaços de madeira, metal e peles fazem-nos viajar no espaço e no tempo, quebram fronteiras, basta escutar com atenção e até consegue provocar arrepios, deixa-nos tristes, nostalgicos, felizes, apaixonados, e enfim... acho que nos torna ainda mais humanos, basta permitir naturalmente, independentemente do estilo de musica.
O que viajei com o Libertango foi tão intenso que não consigo exprimir com palavras.

4ª surpresa agradável - O quinteto de guitarras, espanhol - Dionisio Aguado. Que tocaram desde musica Clássica, a Bossa nova e Flamenco.

surpresa desagradável - Mesmo sendo gratuíto, a plateia do anfiteatro estava menos de meia, e é caso para dizer, a cultura mais do que nunca está ao alcance de todos. Continua a haver bons programas no interior do país e a preços acessíveis, é pena... pelo menos aqueles artistas mereciam mais palmas.
15 julho, 2008
Junto ao rio...
Estou de volta à minha terra, ao meu rio.
Sentado, observo na margem direita que mora no outro lado, a cidade onde nasci, a antiga, mui nobre, sempre leal e invicta cidade do Porto, mas cedo fui trasladado para a margem esquerda, onde cresci, construi amizades e estabeleci das mais importantes ligações na minha vida, a relação que tenho com este rio. Eternamente agarrada a essa, e mais importante, era a relação com os meus companheiros do rio. Eu, o Rui, o João e a Ritinha, sim Ritinha, decidimos admitir a Rita no grupo apenas porque passou com distinção nas provas de alcance do cuspo e arroto a 4 semi colcheias por compasso. Digo distinção para não dizer vencedora, o que foi humilhante para nós, porque até ao seu ingresso, a Ordem secreta dos ratos do Taburno (local de reunião e pilhagem) era exclusivamente constituída por candidatos a rapaz e nunca pensamos ser vencidos, especialmente por uma rapariga.
Naquela época, éramos garotos e, passávamos o dia tomar banho no rio e arremessar pedras aos rabelos.
Sentado, observo na margem direita que mora no outro lado, a cidade onde nasci, a antiga, mui nobre, sempre leal e invicta cidade do Porto, mas cedo fui trasladado para a margem esquerda, onde cresci, construi amizades e estabeleci das mais importantes ligações na minha vida, a relação que tenho com este rio. Eternamente agarrada a essa, e mais importante, era a relação com os meus companheiros do rio. Eu, o Rui, o João e a Ritinha, sim Ritinha, decidimos admitir a Rita no grupo apenas porque passou com distinção nas provas de alcance do cuspo e arroto a 4 semi colcheias por compasso. Digo distinção para não dizer vencedora, o que foi humilhante para nós, porque até ao seu ingresso, a Ordem secreta dos ratos do Taburno (local de reunião e pilhagem) era exclusivamente constituída por candidatos a rapaz e nunca pensamos ser vencidos, especialmente por uma rapariga.
Naquela época, éramos garotos e, passávamos o dia tomar banho no rio e arremessar pedras aos rabelos.
A antiga carcaça do velho Chico da cerca era de longe a mais fustigada, também por ele ser o mais rezingão e o valente detentor da Arte de debitar palavrões à moda do Porto, ou seja, no fundo são palavrões que saem da boca de mão dada. Realmente era fantástico, lembro-me perfeitamente de deliciarmo-nos com aquelas sinfonias até à rouquidão, porque aquele campeão conseguia elaborar frases inteiras em que o único termo simpático e pouco utilizado, era “seus filhos” e realmente éramos quase filhos dele, sem a nossa temível presença, ele passaria os dias cabisbaixo com ombros descaídos, cabeça tombada para baixo e protegida pela gasta boina preta, que apenas permitia descortinar os cigarros quase não fumados.
Lembro-me também do dia em que ele surpreendeu-nos, quando após o inicio de um dos nossos bombardeamentos cerrados, vimos o velho Chico da cerca desfilando calmamente pelo rabelo como um tartesso, até baixar-se e entrar como um rato pelo taburno. Esperamos uns bons segundos para não desperdiçarmos munições, porque o divertimento não era apenas acertar no barco, mas também ver o velho rezingão esquivando-se das pedras enquanto cantarolava o tal palavreado sempre iniciado por “Oh seus filhos”. Naquele compasso de espera, de braços esticado para trás como autenticas catapultas, aguardávamos ansiosamente que o velho saísse daquela câmara, até que o Rui disse a frase chave, Oh Velho maricas vem cá para fora, e o malvado saiu com algo na mão esticando o longo braço para trás. Naquele instante reparamos que das palavras passou tinha passado para a acção.
O Chico da cerca, tinha planeado uma feroz retaliação e surpreendeu-nos com uma violenta investida tocada a fisga, cada um de nós fugiu para seu lado, e só me recordo de ouvir uma coisa inédita, as pedras lançadas daquela fisga assobiavam, parece que ainda consigo ouvir o som das pedras cantantes ressaltando e ricocheteando em tudo o que era chão e paredes dos velhos barracões. O velho dava gargalhadas, e gritava, Então campeões? Afinal quem é o maricas? Naquele dia ficamos tristes, por ele ter trocado os tradicionais e familiares insultos verbais pelas pedras cantantes, e com isso, quase que nos sentiamos traídos. Voltando ao presente, olho para o rio, para os rabelos, e na minha expressão surge um sorriso que é antigo.
Lembro-me também do dia em que ele surpreendeu-nos, quando após o inicio de um dos nossos bombardeamentos cerrados, vimos o velho Chico da cerca desfilando calmamente pelo rabelo como um tartesso, até baixar-se e entrar como um rato pelo taburno. Esperamos uns bons segundos para não desperdiçarmos munições, porque o divertimento não era apenas acertar no barco, mas também ver o velho rezingão esquivando-se das pedras enquanto cantarolava o tal palavreado sempre iniciado por “Oh seus filhos”. Naquele compasso de espera, de braços esticado para trás como autenticas catapultas, aguardávamos ansiosamente que o velho saísse daquela câmara, até que o Rui disse a frase chave, Oh Velho maricas vem cá para fora, e o malvado saiu com algo na mão esticando o longo braço para trás. Naquele instante reparamos que das palavras passou tinha passado para a acção.
O Chico da cerca, tinha planeado uma feroz retaliação e surpreendeu-nos com uma violenta investida tocada a fisga, cada um de nós fugiu para seu lado, e só me recordo de ouvir uma coisa inédita, as pedras lançadas daquela fisga assobiavam, parece que ainda consigo ouvir o som das pedras cantantes ressaltando e ricocheteando em tudo o que era chão e paredes dos velhos barracões. O velho dava gargalhadas, e gritava, Então campeões? Afinal quem é o maricas? Naquele dia ficamos tristes, por ele ter trocado os tradicionais e familiares insultos verbais pelas pedras cantantes, e com isso, quase que nos sentiamos traídos. Voltando ao presente, olho para o rio, para os rabelos, e na minha expressão surge um sorriso que é antigo.
Eu adorava o velho, acho que aquela brincadeira fútil tirou-lhe anos de cima dos ombros descaídos, e naquele momento ele voltou a ser criança, perdendo por instantes toda a amargura que arcava naquele semblante. Tenho saudades tuas, velho Chico, Oxalá estejas como eu estou agora, sorrindo por lembrar-me dessas brincadeiras, porque também foi assim que crescemos todos na beira deste rio, rio de trabalho, rio que une, rio que separa, rio que liga, rio que rega, rio que trás e leva, rio da nossa vida. Crescemos também com estes cenários de assistir a um velho viúvo amargo como fruta amadurecida na sombra, de costas voltadas à vida, com filhos e netos ausentes, voltar a divertir-se e a sentir que a vida ainda tinha muito para lhe dar. Naquele instante, quando ele saiu do taburno sentimos que éramos todos colegas e amigos, não tínhamos idade e brincámos como se não existissem abandonos, doenças, trabalhos de casa, pais bêbados, ou desilusões. Estávamos simplesmente ali, alegres, sem passado e sem futuro, e foram dos melhores momentos da nossas aventuras, e penso que também do velho Chico.
Afinal a brincar, também se cresce.
01 julho, 2008
13 junho, 2008
Noites estreladas

Poderia estar fascinado pela então recente descoberta da Via Lactea, ao ponto de representa-la numa obra sua, e com isso apresentava também a força (em movimento) em que ele acreditava. Dizem que tinha uma obsessão religiosa, e talvez a torre da igreja seja a única edificação humana a alcançar o céu agora iluminado com algum propósito.
Talvez pensasse que o cipreste separava o bem do mal, as trevas da luz, e pela mesma razão se tenha criado a tradição de limitar os cemitérios com estas "cercas-vivas" para que não houvessem almas perdidas deambulando pelas localidades, indo direitinhas para o céu ou enterrando-se cada vez mais até ao inferno.
Já não me interessam estas e outras interpretações, apenas coloquei a imagem do quadro neste post porque gosto imenso dele, e porque neste verão apenas quero contemplar as noites estreladas.
09 maio, 2008
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