20 novembro, 2006

As Faces da Lua

Voltei ontem a Luanda, só por uns dias.
Sem grandes novidades, e com pouca inspiração deixo hoje uma pergunta:
Não é sobre cores, ou luz, mas... para os que já repararam, sabem o porque da lua mostrar-nos sempre a mesma face? Até vos fazia um desenho, mas desta vez não vou dar o peixe, procurem saber. Pista: rotação e translação (já é muita ajuda)
Será que a Lua, não nos quer mostrar a sua face negra???

15 novembro, 2006

Huambo, Paraíso em ruínas

Nesta época do Ano, faz sentir-se muito bem a Estação das Chuvas aqui no Huambo. Desde cá estou, que todos os dias, assisto a chuvadas e trovoadas INTENSAS. Aliás Estação das Chuvas, é um livro que li na viagem Lisboa-Luanda, cujo escritor é o José Eduardo Agualusa, natural do Huambo e faz anos no mesmo dia que eu. eh eh, Coincidências.

Começo com ...
Tempestade no Huambo

Chovem lágrimas,
No furor de lavar a terra,
há muito manchada de pecados,
dos tiranos que assombram os mais fracos,
antes, durante, e após guerra.

Trovejam,
bombardeamentos colossais.
Depois da luz, o estrondo no ar,
que vem atemorizar,
a cobiça dos chacais.

Bom...
Primeira Impressão: Huambo parece ser uma cidade simpática e formosa, apesar de ter sido muito mal tratada durante a guerra civil.
Até podia parecer que passaram por cá aqueles românticos do sec 18, como os que em Sintra chegaram a construir novo para depois ordenar a sua destruição parcial, ficando com aspecto de ruínas, não fosse aqui o facto de a história ser muito diferente.
Para os que não conhecem, e para ficarem com uma pequena ideia, aqui vão números, Huambo situa-se a cerca de mil e poucos metros de altitude, é uma cidade com cerca de 800 mil habitantes (contando arredores), tem cerca de 400 prédios e 2400 vivendas. Foi fundada em 1912, portanto é uma cidade recente. Nota-se basicamente 2 tipos de arquitectura, aquela arquitectura do sec. XVIII / XIX, e a dos anos 60, mas que não se vê em Portugal, sobretudo nas vivendas, poder-se-á dizer que é arquitectura angolana dos anos 60, da qual confesso que estou apaixonado. Huambo é também caracterizado também pelas suas longas e largas avenidas, e tinha uma importante e desenvolvida zona industrial, com boas ligações viárias e ferroviárias às províncias adjacentes (anos 60/70).
Já passaram umas semanas, e não me recordo de ver uma avenida ou rua sem árvores, das 2400 vivendas penso que quase todas deverão ter arvores com o abacateiro, palmeira, mangueira, entre outras. Tem ainda uma série de jardins públicos, e portanto, resumindo, é a cidade com mais espaço verde por metro quadrado que conheço. Pelo que vejo, e pelo que me contam as pessoas de cá, há 30 anos devia ter sido das melhores cidades de Africa e arredores para se viver. Tinha uma estufa fria, jardim zoológico, instalações culturais e desportivas, bairro académico de grandes dimensões, zona industrial em franco desenvolvimento, boas estradas e aeroporto com hotel.
Para além da bonita arquitectura, organização urbanística, e espaços verdes, permitam-me que fale de outra maravilha desta terra, são os heróis da guerra e da paz, falo dos meninos do Huambo.
Os meninos do Huambo são especiais, feitos de uma dureza superior... eu atribuo-lhes a dureza 11. Lembro que a escala de Mohs atribui a dureza máxima ao diamante. Denominado Diamante dureza 10.
Números deste ano, apontam para cerca de 2.300 órfãos de combatentes no Huambo. Alguns destes meninos, frequentam a zona do restaurante onde costumo tomar as minhas refeições, e ao sair ou entrar no carro, e quase todos os dias sou confrontado com os “Amigo, Ajudaa”. Torna-se difícil decidir, até porque fico sempre na duvida se não estarei a contribuir para um vicio, ao criar ali um pedinte, mas por vezes na via da duvidas lá vão saindo umas dezenas de kwanzas que caem como gotas de água, no deserto das mãos desses heróis, (se bem que lhes falta muito mais coisas para além do dinheiro).
Um desses meninos já é meu Herói, chama-se Sérgio, tem 11 anos, e é deficiente. Fui surpreendido pelo Sérgio, quando um destes dias estava a sair do restaurante, e ao chegar ao carro sou abordado por ele, Amigo dá só uma ajuda, Então não pode ser sempre... respondi, e ele olhou para mim, com um olhar vivo e de sorriso wassanjuka, (*) e apenas disse,Tá.
Entrei no carro, e pensei, Estes miúdos são feitos de uma matéria incrível... os pés nem conhecem sequer chinelos, passam fome, maus tratos, chuva que lhes cai em cima todos os dias e que seca na roupa e no corpo, doenças, ninguém lhes dá afecto, e no momento da expectativa de juntar umas kwanzas, sofrem mais uma nega, e por cima disto tudo, sorriem, num dos sorrisos mais puros que ja vi até hoje. Agora paro para pensar, que por vezes ficamos chateados e aborrecidos e lamentamo-nos durante demasiado tempo.
Tudo isto pode até parecer trivial, e talvez nem fosse necessário vir a Africa para entender isto, mas o facto é que gente feita deste material de dureza 11 são mais raros do que diamantes. Dou-me por feliz por ter conhecido o Sérgio, e duvido que ele tenha sequer a noção, do valor daquele sorriso que marcou a minha vida.
( (*) - wassanjuka significa Muito Feliz em Umbundo )
Como diz a canção do Paulo de Carvalho,

Com os sorrisos mais lindos do planalto
Fazem continhas engraçadas de somar
Somam beijos com flores e com suor
E subtraem manhã cedo por luar.

Antes de fechar este post, não quero deixar de relatar uma situação “engraçada”. Um destes dias, estava eu e o fiscal a sairmos do restaurante, quando um pedinte já com alguma idade, nos interceptou a pedir uma ajuda em kwanzas, o fiscal respondeu numa expressão tipicamente Angolana, Sófrimeeeentoooo... ...(significa: nós também estamos a sofrer), não demorou a resposta do pedinte, Vocês que comem bem, sabem o que é sófrimento???!!!?!?!. Claro que o fiscal limitou-se a rir, completamente desarmado de qualquer resposta.
As fotos... já sabem, vão demorar uns dias.

09 novembro, 2006

Rumo ao Huambo

2ª feira, 23 de Outubro de 2006

Acordo cedo, hoje é dia de viajar. Vou sair de Luanda, rumo ao Huambo, e é tempo de fazer um ponto de situação sobre estas 2 semanas na Capital. Foram 2 semanas do 1º contacto com Africa, no pior e no melhor, embora como já disse em post anterior, eu não vinha com uma ideia romantizada desta Africa, mas agora lembro-me do meu deslumbramento quando via filmes passados neste continente, ou quando via as fotos de Angola no álbum de família, e contavam-me do característico cheiro da terra.
09h30, estou no aeroporto para comprar o bilhete para me juntar aos “meninos à volta da fogueira” do Paulo de Carvalho. Check in e voo, suposta e respectivamente às 10h00 e 11h00, na realidade check in às 10h30, onde me pesaram a mala... e tooiiiim... 25kg, 5kg a mais do que o permitido nos voos domésticos, e ainda com uma mochila às costas e mala do pc na mão, perguntei à Senhora do check in, que estava com a cara trancada (como dizem aqui) se podia levá-las como bagagem de mão, dado que o avião é pequeno (senti que estava a esticar um pouco a corda), mas para meu alívio, a Senhora olhou para mim, franziu a testa, pensativa, e disse... Pode seguir. Pois... é óbvio que nem todos os que andam com falta de gás, tentam sacar “gasosas”. Depois, entro na zona de embarque, onde fico aproximadamente 3 horas e aproveito para desbastar um livro que me emprestaram... Predadores, do Pepetela (escritor Angolano) cuja leitura recomendo. Pelas 14h00 embarco num embraer EM120 Brasília, cuja capacidade... não me recordo bem, mas acho não leva mais de 40 passageiros, portanto, é praticamente um machibombo com asas. Foi divertido, até porque gosto de aviões, e sentei-me logo num local estratégico, da janela via a hélice, e portanto, caso esta parasse, eu era o primeiro a gritar, olhando em frente, tinha a 4 metros a cabine, onde estavam as mãos do comandante, a tocar naquele colorido piano de instrumentação. Mal levantamos voo apressei-me tirar umas fotos sobre a zona envolvente do aeroporto, ou seja, os famosos musseques.
Voltei a passar sobre o rio Kwanza, mas desta vez a 6mil metros e a 500km/h, rumo a Bengela, onde faríamos escala para o Huambo, foi +/- 1 hora de viagem com uns momentos de agitação (turbulência) que achei divertido, porque eram nessas alturas em que os passageiros mais faladores perdiam o pio.
Acreditem (para os que não sabem) que sentir turbulência num avião pequeno é vibrante... literalmente vibrante, e devo dizer que a aterragem em Bengela foi igualmente vibrante, porque ao passarmos numas “pequenas” depressões da pista, aquele machibombo com asas, mais parecia um carro de rally. Houve um momento em que o avião se torceu um pouco, e nessa altura pensei que o piloto ia “sacar um peão”, mas não, controlou muito bem a máquina, Temos piloto, disse para mim. Depois do sagrado silêncio na aterragem, e de o avião parar, saíram alguns passageiros e entraram outros tantos para fazer a viagem, Bengela-Huambo. 10min depois, descolamos de Bengela para uma viagem de meia hora, e lá em cima ao dar-se meia volta sobre a cidade e arredores, aproveitei para tirar umas fotos. Bengela fica no litoral, sobre uma plataforma plana e árida junto ao oceano, voando poucos kms no vale para o interior começo a ver a terra cultivada, (foto) e o que se vê no meio horizontal da foto não é rio, mas sim ribeira, e está com aquela cor porque são areias.

Antes de aterrar no Huambo tive oportunidade para tirar mais umas fotos onde se começa a ver a predominância do verde, e o vermelho das estradas em terra batida.

Finalmente, cheguei à terra dos meninos à volta da fogueira, e estou optimista.

2º fim de semana - 2ª fuga

Domingo, 22 de Outubro de 2006
Em pouco tempo, tive o privilégio de conhecer 2 zonas muito bonitas que ficam nos “arredores” de Luanda, uma a sul, que abrange o Miradouro da Lua, Praia de Sangano e Cabo Ledo, que vos falei no post anterior, onde predominam imbundeiros, e cactos aloé vera que mais parecem arvores com mais de 3 metros de altura, a outra zona de eleição fica acerca de 100km, mas desta vez para norte de Luanda, e chama-se Barra do Dande, sendo que, uns bons kms antes encontra-se outro tipo de vegetação, ali predominam as palmeiras e também alguns imbundeiros, como podem ver nas fotos.
O "guia" foi o Freitas, amigo do meu pai. Devo dizer que já não via o Freitas há mais de 15 anos, ou seja, após de 7 mil voltas que o mundo deu sobre si mesmo, e acerca de 7 mil km de distância, deu-se o reencontro. O Freitas é Angolano, regressou a Angola há coisa de 7 anos, e neste fim de semana teve a amabilidade de mostrar-me a zona da Barra do Dande.
Uma hora depois de sairmos de Luanda, começámos a entrar num campo minado de palmeiras, kms e mais kms de palmeiras até à barra do dande. Por fim, chegámos à Barra do Dande. É uma pacata aldeia, sobretudo piscatória, que fica na foz do rio dande, entrámos na rua principal, que tem umas quantas barracas-restaurante em toda a sua extensão, e paramos no última, onde o Freitas encomendou o almoço, lagosta e peixe grelhado, mas ainda não se sabia qual, uma vez que o peixe estava a chegar num dos barcos que avistámos depois, no morro que fica por cima da aldeia. Morro esse, de onde consegui “caçar” uma águia, cuja foto não faz jus à sua beleza. Morro esse de onde avistei a aldeia com sua nova e importante construção, a ponte, a nova ponte que liga directamente a aldeia à praia da Barra do Dande. O Freitas contou-me que colaborou na demolição da ponte antiga, com o objectivo estratégico-militar para evitar que a UNITA avançasse por ali para a capital, daí também a razão da estrada que liga este pequeno paraíso a Luanda estar bem conservada, aliás, reparei que as estradas a norte e sul de Luanda estão minimamente conservadas e isso tinha precisamente a ver com o estabelecimento de um perímetro de segurança do MPLA sobre a capital, com alguns kms que eram constantemente patrulhados, mas é claro que a guerra civil já acabou, no entanto estava na hora de fazer um feroz ataque às lagostas e o recém-chegado cherne, que apesar de grelhado não ficou “seco” e tão bem que estava acompanhado por o funge de mandioca, batata doce e banana assada, e folha de mandioca cozida e ralada, no final desta delicia, pagamos metade do valor de uma refeição em Luanda, naquele restaurante de terra batida com apenas 2 funcionárias (mãe e filha) 4 facas para amanhar o peixe e marisco 1 grelhador 3 alguidares, organizados, 1 para o peixe e marisco, outro com água, e o 3º para os restos não desejáveis. Simples, não? É nestes pequenos momentos mais simples, que nos sentimos mais próximos da natureza. Gosto desta africa, mas não romantizem, ali na Barra do Dande, não há rede eléctrica, agua ou esgotos canalizados nem cobertura de telemóveis.
Voltando um pouco atrás, a guerra já acabou, mas ainda assim tive que baixar a máquina fotográfica quando passávamos por edificações militares. Podem prender-te por isso, disse o Freitas. E assim perdi boas fotos, como a de um homem que estava com o braço esticado na estrada (perto de um quartel), e não, não estava a pedir boleia, mas sim a segurar uma perna de veado (para venda), ainda por esfolar, isto passou-se a caminho do Caxito (um pouco mais para o interior) onde passamos pelo famoso “jacaré bangão” (acho que é assim que se escreve) está relacionado com o tempo do colonialismo, em que em certa altura foi criado o boato, que até o jacaré do rio dande pagava imposto (foi a versão que me contaram).
Já são 17h00, o sol começa a anunciar a sua saída do palco, e na paragem seguinte paramos perto do cruzamento Luanda-barra do dande-caxito, onde aproveitei para tirar a minha melhor foto de imbundeiros até à data, foto esta que um dia ainda há de servir de publicidade ao banco BIC, cujo logotipo é um imbundeiro. Entramos no carro e voltamos para Luanda, onde chegamos já de noite, e com a escuridão na noite, cresceu também a minha ansiedade para viajar na manhã seguinte para o Huambo.

05 novembro, 2006

Domingo, dia Santo!?!?!?

Luanda, 15 de Outubro de 2006 +/- 28ºC
Acordo, são 8 horas da manhã, é domingo o que representa a seguinte dificuldade, o que fazer? Está combinada uma saída à praia, mas vai tardar um pouco. Posto isto, tomo o religioso banho matinal, o pequeno almoço, e ajeito a máquina fotográfica para o passeio, mas o tempo passa devagar... ainda não são 9horas, e eu
enclausurado em casa. Para ajudar a festa sucede o indesejável, uma falha de electricidade... ainda sem o gerador instalado, penso, Sem ar condicionado vai ser ainda mais difícil manter-me em casa, fico como um leão impaciente às voltas dentro da jaula, (embora esta jaula tenha o efeito oposto) e é quando decido descer e dar um curto passeio pedonal no bairro.
É diferente passear sozinho nas ruas de Luanda, sinto agora que sou o “tipo de cor” e é um pouco constrangedor, mas ao avançar e depois de receber meia dúzia dos sempre simpáticos “bom dia vizinho” ganho animo. Sem querer abusar (andar sozinho na
rua) volto a casa e recebo o telefonema para ir à praia, nomeadamente à praia de sangano, que fica acerca de 120km a sul da capital.
Saímos de Luanda por volta das 11h00, rumo a sangano, com cerca de 120km para percorrer aproveito a hora e meia de caminho para observar e tirar algumas fotos da envolvente. Para sair de Luanda, tem que se passar nos musseques, ou seja, um género de miséria em estado concentrado, o que nunca é bom de ser ver.
Passámos pelo Morro do Veado, que tem uns imbondeiros (arvores com o troco muito largo, vejam na foto) que no por do sol fazem com que este se assemelhe com a silhueta da cabeça do animal que lhe dá o nome. Segue-se a famosa ilha do mussulo e a ponte sobre o rio kwanza (foto) (rio que dá nome às notas angolanas). Nas margens do rio kuanza, passou-se um episódio engraçado. Falava-se com um "ancião" da aldeia, quando lhe perguntámos se podíamos tomar banho no rio sem ter problemas com os crocodilos, que estavam na outra margem, ao que ele respondeu, Aqui pode tomar banho, deste lado aqui não tem qualquer problema, o crocodilo não passa para cá, Mas como é que não passa para cá? Crocodilo não passa para cá! é lei do colono, respondeu. Percebi depois, que a lei do colono é baseada na lei das correntes do rio, ainda assim, lembrando o principio da incerteza de Heisenberg, o melhor foi mesmo não arriscar. Finalmente chegámos à praia de sangano, água com 20 e poucos graus, mas tinha um pouco de corrente. Depois de secos, fomos tratar de alimentar a carcaça. Almoçámos no restaurante da praia. Para entrada atracaram na mesa uns carangueijos do tamanho das sapateiras (em Portugal), que tão bem que sabiam a mar, depois vieram as lagostas grelhadas, e por fim o melhor choco grelhado que comi até hoje, tudo isto acompanhado pela famosa Cuca (cerveja) que é feita com milho ao invés da tradicional cevada, que lhe confere um sabor menos amargo e é mais leve no estômago, dizem eles que “faz menos barriga” mas olhando para eles... não me parece. O restaurante fica mesmo ao lado de uma pacata aldeia de pescadores, que juntos enfrentam a fúria do mar, mas também desfrutam da sua beleza e riqueza (peixes e mariscos) que os pescadores trocam por outros bens (pão, leite, carnes...) com o restaurante. Ali naquela aldeia não vi riqueza material, mas há paz e na simplicidade de outro mundo, as crianças parecem ser felizes.
Na volta para Luanda, parámos no Miradouro da Lua, onde se notam-se bem os efeitos da erosão. Dizem que em tempos o mar estava mais avançado e terá sido a causa deste efeito, também me contaram neste miradouro há muitas cobras, eu cá não as vi, mas devem andar algures por lá. E assim se passou uma bela tarde de domingo.