Huambo, 15 de Dezembro de 2006 
Após preencher completamente os lugares de trás da pick-up, com as nossas malas e mochilas, de resolver alguns assuntos pendentes e comprar alguns salgados e água para o caminho, eu e o Manuel, partimos do Huambo pelas 12h00, na esperança de chegar a Benguela por volta da 18h00.
Após preencher completamente os lugares de trás da pick-up, com as nossas malas e mochilas, de resolver alguns assuntos pendentes e comprar alguns salgados e água para o caminho, eu e o Manuel, partimos do Huambo pelas 12h00, na esperança de chegar a Benguela por volta da 18h00.
Estamos a sair do Huambo...
Reparo que o céu tem algumas nuvens brancas e cinzentas, mas não está a chover, o que é bom para o atrito entre os pneus e os “pavimentos”. Pela frente, temos cerca de 380km km de caminho e surpresas. Como disse ao Manuel (fiscal) no final da viagem, no meio alguns de azares, tivemos sempre sorte.
O Manuel ainda nem tinha tomado o pequeno almoço, e então sugeri a troca que fizemos à saída do Huambo, ficou ele o pendura, e eu o condutor. Ele com uma mão na garrafa de água e outra no folhado, e eu com uma mão no volante e outra na máquina fotográfica, mas ambos com os olhos presos na magnifica paisagem que se desvendava em todas as direcções.
Estamos a passar no chão onde já existiu estrada “alcatroada”, calculada para suportar pneus e não lagartas de carros de combate, e o resultado é... dos trezentos e tantos quilómetros que percorremos, certamente percorremos 10% de estrada “alcatroada” aceitável, 20% de caminho em terra em boas condições, e dos restantes 70% de “estrada” “minada” de buracos, 20% está em mau estado que nos obrigava a andar com a pickup em velocidades entre os 5 e 30km/h.
Tirando um camião novinho que estava atolado, e quase deitado de cansaço na berma da estrada, entre Huambo e Alto Wama (cerca de 80km) a viagem decorreu sem grandes acontecimentos, embora, tivéssemos percorrido este troço do nosso longo trajecto, em um pouco mais de 2 horas.
No Alto do Wama, com algumas duvidas sobre a direcção a tomar rumo a Benguela, perguntamos a um rapaz que estava perto da estrada, junto ao portão do hospital, se era aquela a estrada que nos levaria a Benguela, juntamente com a resposta confirmativa, veio um pedido, esticou-nos o braço com um envelope na mão a pedir para entregar-mos aquela carta na unidade da policia do Londuimbali, próxima cidade a 30.000 metros e buracos dali. Foram os 30km mais longos da minha vida, qual mar do norte, qual quê, aquele “mar” estava mesmo muito bravo. Disse 30.000 buracos?!, pois... alem de muitas vezes ter que escolher qual o melhor buraco para passarmos, nas zonas onde havia alternativas, passava com a pickup sobre as bermas, e fui numa dessas passagens que o Manuel me sensibilizou, Engenheiro, não se aproxime muito das bermas por que estamos a passar uma zona com minas. Acreditem que fiquei muito sensibilizado para esta questão em particular. No total da viagem contei mais de 20 camiões atolados, avariados, mas houve um que me chamou particular atenção, vejam na foto.
Passados os 30km, chegamos ao Lunduimbali, localidade onde travamos o único momento simpático com a policia, pois mal chegámos ao portão, os policias que ali estavam foram chamar o chefe, que veio prontamente atender-nos para receber o envelope. Pouco habituados, fomos depois presenteados com um, Obrigado, e tenham boa viagem.
Pensei... Na sua inocência, irónicas palavras haveis proferido , senhor chefe de unidade... Fosse eu bruxo, para adivinhar um futuro próximo, e teria convocado aquele corpo de policias simpáticos e prestáveis, para nos auxiliarem e acudirem pelo resto da viagem.
Já tinham passado 4 horas, e nem sequer tínhamos saído da província do Huambo, depois de deixarmos Lunduimbali e passados mais alguns milhares de buracos, chegamos à ultima povoação antes de entrar na província de Benguela, de sua “graça” Ussoque. Graça foi a única coisa que não achamos do cenário que tínhamos pela frente, já que depois de pararmos numa fila, e saindo da pickup, apercebemo-nos que na saída e entrada desta localidade, estariam sem qualquer duvida mais de 50 veículos parados... ZeroKilometrosHora.
Causa: Casamento entre uma estrada de terra com uma longa e íngreme subida, e a Chuva, sofrendo infidelidades como por exemplo, o excesso de carga e/ou falta de manutenção de alguns camiões.
Efeito: mais de meia centena de veículos parados, devido à ganância ou curiosidade estúpida de chegar o camião mais à frente, fora de mão para ver o que se passa.
Numa genica determinada mas não planeada, via-se uns a passarem de um lado para o outro com cabos de aço para rebocar o camião avariado, e outros que entravam para os respectivos camiões para fazerem manobras sem efeitos positivos. Apercebendo melhor do que se passava ali, e vendo a policia de braços cruzados, talvez por acharem que da resolução daquele problema, não resultariam uns milhares de incentivos ribeirinhos nacionais (deverá ler-se... rio kwanza) para tornar o natal mais fraterno, eu e o Manuel, auto proclamamo-nos policias de trânsito. Alguém tinha que o fazer.
Convencer os condutores que teriam que esperar que todos os fora de mão viessem atrás do camião avariado, até desimpedirem faixa alheia, não foi nada fácil, e no meio daquela confusão, a fila onde estávamos parados, avançou um bom bocado. Por sorte chegamos a uma zona curta, onde foi possível improvisar uma terceira faixa, para ligeiros com tracção às 4 rodas motorizes. Ao improvisarmos existia o risco de ficarmos atolados existia, mas com alguma engenharia e com muita vontade de sair dali, pedimos ajuda a outros condutores para colocarem-se umas pedras no desvio improvisado, às tantas comecei a rir-me de toda esta situação... primeiro, “armados” em policias de transito, e depois em construtores romanos. Pena não ter uma tirado foto, pois o resultado desta curta empreitada, foi um lindo tapete de pedra sobre lama, sobre o qual, vaidosamente passámos. Ali, quem inaugurou a obra, fomos nós... depois de termos sido engenheiros, encarregados e serventes em própria causa. Não somos como alguns que fazem inaugurações colocando seus nomes nessas obras, em que apenas decidem ordenar: Então Faça-se!!! Ficando no final com o protagonismo das ideias e trabalho de outros.
Ali, não houve champanhe e/ou fitas cortadas por tesouras, mas tivemos direito a umas buzinadelas e apoios, Foorça aí, disseram-nos, e dali para a frente bem iríamos precisar dela. Dela, e de mais algumas coisas.
Durante alguma euforia, lembrei-me de olhar para o relógio e reparar que tinhamos passado 1 hora e alguns minutos, no Ussoque, a fazer de policias e de construtores.
Uns quilómetros à frente, encontramos um carro ligeiro parado com problemas em passar numa zona de lama, e ainda que sozinho, estava a bloquear o caminho. Seriamente convencidos que éramos construtores romanos, voltamos a repetir a proeza, desta vez mais rápido, estávamos a ficar profissionais, não tardaria e teríamos uma estrada romana em Angola.
Ainda estávamos a congratularmo-nos com os nossos feitos, quando nos deparámos com outra situação parecida com a do Ussoque, mas desta vez, fora de qualquer localidade, mas com a maré de azar sortudo em que estávamos, um senhor camionista aconselhou-nos a passarmos por um desvio, era uma picada que contornava aquele ajuntamento de camiões parados nos dois lados da via. Agora, sem trabalho e engenho, deixamos este 3º obstáculo para trás.
Reparei que o sol já estava a despedir-se, e ainda fui a tempo de aproveitar para tirar algumas fotos da paisagem que nos rodeava, como por exemplo do Morro Moco, ponto mais alto de Angola, com 2600 metros de altitude. Estávamos a entrar na província de Benguela, e ainda nem estávamos a meio do percurso.
Mais à frente, estavam 2 tipos a colocar pedras na estrada numa passagem com alguma lama, colegas... construtores romanos, mas estes estavam ali para cobrar portagem, quando reparei na jogada, passei pelo meio, já que a lama era pouca. Depois de passar ouvi de um deles, uns gritos de insucesso, Branco, Ó Pula...
Já era de noite quando entramos no Balombo, 1ª localicade da província de Benguela, no sentido Huambo-Benguela.
Embora já fosse de noite, esporadicamente vimos pessoas a caminhar nas bermas, a ir ou a vir de alguma localidade, agora a preocupação já não eram só as minas, mas também evitar de atropelar alguém na berma.
Com a noite muito escura, aumentam todas as dificuldades em resolver avarias, e também a dificuldade em conduzir, torna-se mais difícil escolher os melhores buracos para passar, por que com a noite é mais complicado avaliar as profundidade, e os limites do caminho (não se pode chamar de estrada).
Para agravar, já estava um pouco fatigado do conduzir na travessia dos cerca de 200km de buracos percorridos, e foi quando pensei em trocar o volante com o Manuel, na próxima localidade, Bocoio, mas... sensivelmente a meio, entre o Balombo e Bocoio, numa recta “alcatroada”, já ia à velocidade de cruzeiro de 70km/h, com os médios (máximos avariados) quando vejo um vulto e desvio o carro para a berma, mal reparei que ia atropelando uma pessoa que estava a cambalear no meio da estrada, mas depois apercebi-me que era um policia, quando logo a seguir vi outro com a mão esticada e outra na AK47, a ordenar paragem, isto ao mesmo tempo que o Manuel dizia-me um pouco surpreendido e assustado (tal como eu), Pare, engenheiro, é melhor parar, pare, pare.
Assim fiz, parei o carro próximo do 2º agente. O quase atropelado aproximou-se, ficando um de cada lado do carro. Á medida que baixamos os vidros, rapidamente reparámos que não eram policias de transito, e mal abriram a boca constatámos que estavam perdidos de bêbados, de tal forma que nem eu percebia o que o “mais velho” que estava do meu lado, estava a dizer-me. Nessa altura comecei a ficar mais preocupado. Neste País, dois jovens no meio do escuro, parados na berma com 2 policias bêbados e armados com metralhadoras, sem ninguém a passar pela estrada, rodeados por mato, é sem duvida um cenário pouco bonito.
O que eles queriam, era simples, apenas uma boleia para o mais novo ficar na próxima localidade, o Bocoio, que devia estar a 50km dali, mas aquelas metralhadoras e bebedeiras, estavam a preocupar-me seriamente. Apressamo-nos a explicar aos senhores agentes da autoridade imposta, que, os lugares atrás estavam ocupados com malas, mas o agente mais novo, disse não importar-se em ir na caixa aberta da pickup.
Subiu com a nossa indispensável ajuda, e depois de acomodarmos o senhor agente lá atrás, entramos no carro, subi os vidros, e disse ao Manuel, Não estou a gostar nada de levar um bêbado com uma arma na mão lá atrás, mas não temos outra hipótese, certo? Certo, foi a resposta. Manuel, vai controlando como ele vai lá atrás, até por que com a puta da bebedeira em que ele está, alem de poder fazer alguma asneira com a AK, pode cair do carro e isso também não será muito melhor. Manuel, concordou e levou o vidro dele em baixo, para ouvir e ir falando com o senhor agente – Patente = embriagado.
Confesso que me passaram muitas coisas pela cabeça naqueles 50km, uma delas foi que a diferença de cor pode passar a ser um problema, quando uma das cores está embriagada, mas este era o cenário mais pessimista, que rapidamente abandonei, o optimista era que o estado da bebedeira fosse tão elevado que nem com o gatilho ele conseguisse dar, mas depois surgia outro pessimista... o pior seria se ele estivesse com a patilha de segurança destravada, e desse com o gatilho inadvertidamente, ou quisesse intencionalmente desabafar uns tiros, que naqueles saltos que a carrinha dava, podiam ter vários destinos.
Finalmente “desci à terra” e pensei que aquilo que estávamos a fazer era sem duvida a melhor decisão, a mais sensata, e como não havia outras hipóteses, voltei a concentrar-me na escolha selectiva dos buracos, mas agora, de uma forma ainda mais cuidada, já que não convinha de todo deixar cair o senhor agente de Patente = alienado.
Após uma hora de aperto chegamos ao Bocoio, e ai , houve outra pequena dificuldade, que foi convencer o senhor agente fortemente alcoolizado, a descer da pickup. Estava à procura das chaves de casa, mas não estava a encontra-las. Já com mais alguma segurança, como estávamos dentro de uma localidade com iluminação e algumas pessoas a passar perto, dissemos-lhe que saísse e procurasse depois. Não foi fácil, e a nossa paciência escasseava cada vez mais.
Lá com paciência, ele acabou por sair da caixa da pickup, e na sua simpatia embriagada, enrolou na boca um, Obrigado e boa noite.
Como estava combinado, troquei de lugar com o Manuel nesta localidade.
A próxima paragem seria no Lobito. Ao sairmos de Bocoio notamos que já tínhamos estrada. O Manuel, como qualquer condutor, em melhores condições de piso, acelerou mais um pouco... até aos 80, 100km/h, a certa altura, cruzamo-nos com um camião que teimava em não sair do meio da estrada, o Manuel começou a encostar à berma, e, no momento em que passamos a 2 dedos do camião, vimos que estávamos no inicio de uma ponte muito estreita... e estreita ficou a nossa vida naqueles instantes, pois não houve tempo para reflexos nem orações, nem sequer quaisquer palavras pouco educadas para o camionista. Juro que foi a mão divina que nos salvou, Juro... 2 dedos de um lado e 3 do outro, não estou a exagerar. A nossa sorte foi o Manuel não ter tempo para reflexos, (virar para fora) por que senão seríamos jantar de crocodilo, ou acrotério em chapa e osso, daquela ponte.
Ainda estávamos a uns 50km quilómetros do Lobito, quando decidimos que iríamos dormir no Lobito, por que já eram cerca de 21h00 e na manhã seguinte iríamos para Benguela, mas desconhecíamos ainda, que haveria outra razão mais forte para dormirmos no Lobito.
Uns quilómetros mais à frente, agora com policia de transito, demasiado sóbrios para aplicar as suas próprias leis, somos ordenados a encostar e parar, então sucede-se o procedimento normal, pedem os documentos, e dão uma volta ao carro. Quando o senhor agente volta para perto do Manuel, diz-lhe, O stop está partido! Após a nossa justificação, diz ele, Não há problemas, levem só aqui o meu colega lá mais à frente, que ele está com os documentos, e é preciso fazer um registo da situação. Ok, mais uma vez, boleia imposta pela autoridade, mas agora sem arma, mas também sem os documentos.
Mais a frente paramos junto da unidade, onde o Manuel, e o senhor agente que simpaticamente nos acompanhou, entraram para o registo da ocorrência.
O registo demorou um pouco, e quando o Manuel estava a regressar ao carro, reparei na sua cara de poucos amigos. Quando entrou, disse-lhe, Ficaram-te com a carta!?!... e agora?, Agora temos que ir ao posto de controlo que fica à entrada do Lobito, esperar que estes senhores das motos, levem para lá a minha carta de condução.
Assim fizemos, mais uns quilómetros de estrada razoável, e chegamos ao posto de controlo do Lobito. Com lei improvisada in loco pelo proprio, o policia que estava nesse posto de controlo, quis ficar com as chaves da pickup, mas como é óbvio, não teve sorte connosco, mas já tinha com ele algumas.
Deviam ser 20h00... para resumir, devo dizer que com a nossa situação, e alguns pior e mais ridículas, estavam mais de 5 pessoas, um deles com crianças no carro. Passamos ali a noite à espera dos senhores das motos, que estrategicamente chegaram às 2h00 da manhã, para dizerem que tinham as cartas de todos aqueles condutores, e que era preciso de irmos todos, à unidade operativa do Lobito. De seguida, entrei para o carro com Manuel, e disse-lhe, Vamos embora, temos que procurar um hotel ou pensão para dormirmos por que já são 2h00, e a palhaçada está a ficar cansativa. Assim aconteceu, batemos à porta de 2 hoteis, e 1 pensão, que estava completa, e num dos outros hotéis não nos abriram a porta, portanto a escolha ficou automaticamente feita.
Tiramos as malas do carro, e colocamo-las nos quartos, e depois fomos à tal unidade operativa onde nos disseram, Voltem amanhã, pelas 7h00.
Parecia praxe... voltamos para o hotel, dormimos umas horas, e pelas 7h00, já estávamos a devorar um pequeno almoço, que após uma viagem de 300km de buracos, entre outras coisas, e tendo passado sem jantar na noite anterior, teve que ser reforçado, também por que adivinhávamos um principio de manhã, com algumas dificuldades.
Pelas 7h30 já estávamos na unidade operativa do Lobito com os nossos camaradas da noite passada, aqueles “criminosos” que tal como nós tinham luzes de stop fundidas, piscas, etc.
Conversa para cá e para lá, com o Pai das crianças que tiveram que dormir a noite no carro, ficamos a conhecer as suas sérias intenções em dar uma “gasosa natalícia” a um dos senhores agentes para libertarem a sua carta de condução.
Estávamos com intenções de pagar a multa, mas apercebemo-nos rapidamente da única solução, quando veio ter connosco um outro senhor agente que, vendo no grupo de 5 pessoas, uma de cor, Eu, dirigiu-se directamente para mim de olhos a brilhar, e sorridente, perguntou, Qual é o assunto, Não é comigo é com estes senhores, Mas você está com eles, Não interessa, a questão é com eles, insisti. Quase que se poderia chamar de racismo refinado, a esta intervenção policial. Primeiramente e antes de chegar perto de mim, o senhor agente dirigiu-se a todos de uma forma arrogante e prepotente, depois quando viu alguém de cor, ficou alegre e simpático, com boas perspectivas.
Para melhor eficácia do esquema montado, o senhor agente informou que o nosso problema só poderia ser resolvido na 2ª feira, e mesmo após o Manuel explicar-lhe que na 2ª já tínhamos voo marcado para Luanda, o policia perguntou, E o que é que eu posso fazer.
A esgrima continuo por alguns minutos, até que o Manuel ofereceu a prenda tão desejada, e em troca teve outra prenda... É o espírito natalício no seu melhor.
Problema resolvido. Depois demos uma volta rápida pelo Lobito, fomos à restinga (parecida com a ilha de Luanda, mas mais pequena e arrumada) e vimos o porto do Lobito, que goza da fama de ser um dos maiores portos da Africa Ocidental.
“Traumatizados” com a nossa recepção no Lobito, seguimos viagem para Benguela que fica a cerca de 30km em estrada relativamente boa. Passamos por catumbela, onde tirei uma foto dos característicos comboios Africanos.
Finalmente chegamos ao Destino, vivos como agora e sempre, de boa saúde e de cara alegre.
Reparo que o céu tem algumas nuvens brancas e cinzentas, mas não está a chover, o que é bom para o atrito entre os pneus e os “pavimentos”. Pela frente, temos cerca de 380km km de caminho e surpresas. Como disse ao Manuel (fiscal) no final da viagem, no meio alguns de azares, tivemos sempre sorte.
O Manuel ainda nem tinha tomado o pequeno almoço, e então sugeri a troca que fizemos à saída do Huambo, ficou ele o pendura, e eu o condutor. Ele com uma mão na garrafa de água e outra no folhado, e eu com uma mão no volante e outra na máquina fotográfica, mas ambos com os olhos presos na magnifica paisagem que se desvendava em todas as direcções.
Estamos a passar no chão onde já existiu estrada “alcatroada”, calculada para suportar pneus e não lagartas de carros de combate, e o resultado é... dos trezentos e tantos quilómetros que percorremos, certamente percorremos 10% de estrada “alcatroada” aceitável, 20% de caminho em terra em boas condições, e dos restantes 70% de “estrada” “minada” de buracos, 20% está em mau estado que nos obrigava a andar com a pickup em velocidades entre os 5 e 30km/h.
Tirando um camião novinho que estava atolado, e quase deitado de cansaço na berma da estrada, entre Huambo e Alto Wama (cerca de 80km) a viagem decorreu sem grandes acontecimentos, embora, tivéssemos percorrido este troço do nosso longo trajecto, em um pouco mais de 2 horas.
No Alto do Wama, com algumas duvidas sobre a direcção a tomar rumo a Benguela, perguntamos a um rapaz que estava perto da estrada, junto ao portão do hospital, se era aquela a estrada que nos levaria a Benguela, juntamente com a resposta confirmativa, veio um pedido, esticou-nos o braço com um envelope na mão a pedir para entregar-mos aquela carta na unidade da policia do Londuimbali, próxima cidade a 30.000 metros e buracos dali. Foram os 30km mais longos da minha vida, qual mar do norte, qual quê, aquele “mar” estava mesmo muito bravo. Disse 30.000 buracos?!, pois... alem de muitas vezes ter que escolher qual o melhor buraco para passarmos, nas zonas onde havia alternativas, passava com a pickup sobre as bermas, e fui numa dessas passagens que o Manuel me sensibilizou, Engenheiro, não se aproxime muito das bermas por que estamos a passar uma zona com minas. Acreditem que fiquei muito sensibilizado para esta questão em particular. No total da viagem contei mais de 20 camiões atolados, avariados, mas houve um que me chamou particular atenção, vejam na foto.
Passados os 30km, chegamos ao Lunduimbali, localidade onde travamos o único momento simpático com a policia, pois mal chegámos ao portão, os policias que ali estavam foram chamar o chefe, que veio prontamente atender-nos para receber o envelope. Pouco habituados, fomos depois presenteados com um, Obrigado, e tenham boa viagem.
Pensei... Na sua inocência, irónicas palavras haveis proferido , senhor chefe de unidade... Fosse eu bruxo, para adivinhar um futuro próximo, e teria convocado aquele corpo de policias simpáticos e prestáveis, para nos auxiliarem e acudirem pelo resto da viagem.
Já tinham passado 4 horas, e nem sequer tínhamos saído da província do Huambo, depois de deixarmos Lunduimbali e passados mais alguns milhares de buracos, chegamos à ultima povoação antes de entrar na província de Benguela, de sua “graça” Ussoque. Graça foi a única coisa que não achamos do cenário que tínhamos pela frente, já que depois de pararmos numa fila, e saindo da pickup, apercebemo-nos que na saída e entrada desta localidade, estariam sem qualquer duvida mais de 50 veículos parados... ZeroKilometrosHora.
Causa: Casamento entre uma estrada de terra com uma longa e íngreme subida, e a Chuva, sofrendo infidelidades como por exemplo, o excesso de carga e/ou falta de manutenção de alguns camiões.
Efeito: mais de meia centena de veículos parados, devido à ganância ou curiosidade estúpida de chegar o camião mais à frente, fora de mão para ver o que se passa.
Numa genica determinada mas não planeada, via-se uns a passarem de um lado para o outro com cabos de aço para rebocar o camião avariado, e outros que entravam para os respectivos camiões para fazerem manobras sem efeitos positivos. Apercebendo melhor do que se passava ali, e vendo a policia de braços cruzados, talvez por acharem que da resolução daquele problema, não resultariam uns milhares de incentivos ribeirinhos nacionais (deverá ler-se... rio kwanza) para tornar o natal mais fraterno, eu e o Manuel, auto proclamamo-nos policias de trânsito. Alguém tinha que o fazer.
Convencer os condutores que teriam que esperar que todos os fora de mão viessem atrás do camião avariado, até desimpedirem faixa alheia, não foi nada fácil, e no meio daquela confusão, a fila onde estávamos parados, avançou um bom bocado. Por sorte chegamos a uma zona curta, onde foi possível improvisar uma terceira faixa, para ligeiros com tracção às 4 rodas motorizes. Ao improvisarmos existia o risco de ficarmos atolados existia, mas com alguma engenharia e com muita vontade de sair dali, pedimos ajuda a outros condutores para colocarem-se umas pedras no desvio improvisado, às tantas comecei a rir-me de toda esta situação... primeiro, “armados” em policias de transito, e depois em construtores romanos. Pena não ter uma tirado foto, pois o resultado desta curta empreitada, foi um lindo tapete de pedra sobre lama, sobre o qual, vaidosamente passámos. Ali, quem inaugurou a obra, fomos nós... depois de termos sido engenheiros, encarregados e serventes em própria causa. Não somos como alguns que fazem inaugurações colocando seus nomes nessas obras, em que apenas decidem ordenar: Então Faça-se!!! Ficando no final com o protagonismo das ideias e trabalho de outros.
Ali, não houve champanhe e/ou fitas cortadas por tesouras, mas tivemos direito a umas buzinadelas e apoios, Foorça aí, disseram-nos, e dali para a frente bem iríamos precisar dela. Dela, e de mais algumas coisas.
Durante alguma euforia, lembrei-me de olhar para o relógio e reparar que tinhamos passado 1 hora e alguns minutos, no Ussoque, a fazer de policias e de construtores.
Uns quilómetros à frente, encontramos um carro ligeiro parado com problemas em passar numa zona de lama, e ainda que sozinho, estava a bloquear o caminho. Seriamente convencidos que éramos construtores romanos, voltamos a repetir a proeza, desta vez mais rápido, estávamos a ficar profissionais, não tardaria e teríamos uma estrada romana em Angola.
Ainda estávamos a congratularmo-nos com os nossos feitos, quando nos deparámos com outra situação parecida com a do Ussoque, mas desta vez, fora de qualquer localidade, mas com a maré de azar sortudo em que estávamos, um senhor camionista aconselhou-nos a passarmos por um desvio, era uma picada que contornava aquele ajuntamento de camiões parados nos dois lados da via. Agora, sem trabalho e engenho, deixamos este 3º obstáculo para trás.
Reparei que o sol já estava a despedir-se, e ainda fui a tempo de aproveitar para tirar algumas fotos da paisagem que nos rodeava, como por exemplo do Morro Moco, ponto mais alto de Angola, com 2600 metros de altitude. Estávamos a entrar na província de Benguela, e ainda nem estávamos a meio do percurso.
Mais à frente, estavam 2 tipos a colocar pedras na estrada numa passagem com alguma lama, colegas... construtores romanos, mas estes estavam ali para cobrar portagem, quando reparei na jogada, passei pelo meio, já que a lama era pouca. Depois de passar ouvi de um deles, uns gritos de insucesso, Branco, Ó Pula...
Já era de noite quando entramos no Balombo, 1ª localicade da província de Benguela, no sentido Huambo-Benguela.
Embora já fosse de noite, esporadicamente vimos pessoas a caminhar nas bermas, a ir ou a vir de alguma localidade, agora a preocupação já não eram só as minas, mas também evitar de atropelar alguém na berma.
Com a noite muito escura, aumentam todas as dificuldades em resolver avarias, e também a dificuldade em conduzir, torna-se mais difícil escolher os melhores buracos para passar, por que com a noite é mais complicado avaliar as profundidade, e os limites do caminho (não se pode chamar de estrada).
Para agravar, já estava um pouco fatigado do conduzir na travessia dos cerca de 200km de buracos percorridos, e foi quando pensei em trocar o volante com o Manuel, na próxima localidade, Bocoio, mas... sensivelmente a meio, entre o Balombo e Bocoio, numa recta “alcatroada”, já ia à velocidade de cruzeiro de 70km/h, com os médios (máximos avariados) quando vejo um vulto e desvio o carro para a berma, mal reparei que ia atropelando uma pessoa que estava a cambalear no meio da estrada, mas depois apercebi-me que era um policia, quando logo a seguir vi outro com a mão esticada e outra na AK47, a ordenar paragem, isto ao mesmo tempo que o Manuel dizia-me um pouco surpreendido e assustado (tal como eu), Pare, engenheiro, é melhor parar, pare, pare.
Assim fiz, parei o carro próximo do 2º agente. O quase atropelado aproximou-se, ficando um de cada lado do carro. Á medida que baixamos os vidros, rapidamente reparámos que não eram policias de transito, e mal abriram a boca constatámos que estavam perdidos de bêbados, de tal forma que nem eu percebia o que o “mais velho” que estava do meu lado, estava a dizer-me. Nessa altura comecei a ficar mais preocupado. Neste País, dois jovens no meio do escuro, parados na berma com 2 policias bêbados e armados com metralhadoras, sem ninguém a passar pela estrada, rodeados por mato, é sem duvida um cenário pouco bonito.
O que eles queriam, era simples, apenas uma boleia para o mais novo ficar na próxima localidade, o Bocoio, que devia estar a 50km dali, mas aquelas metralhadoras e bebedeiras, estavam a preocupar-me seriamente. Apressamo-nos a explicar aos senhores agentes da autoridade imposta, que, os lugares atrás estavam ocupados com malas, mas o agente mais novo, disse não importar-se em ir na caixa aberta da pickup.
Subiu com a nossa indispensável ajuda, e depois de acomodarmos o senhor agente lá atrás, entramos no carro, subi os vidros, e disse ao Manuel, Não estou a gostar nada de levar um bêbado com uma arma na mão lá atrás, mas não temos outra hipótese, certo? Certo, foi a resposta. Manuel, vai controlando como ele vai lá atrás, até por que com a puta da bebedeira em que ele está, alem de poder fazer alguma asneira com a AK, pode cair do carro e isso também não será muito melhor. Manuel, concordou e levou o vidro dele em baixo, para ouvir e ir falando com o senhor agente – Patente = embriagado.
Confesso que me passaram muitas coisas pela cabeça naqueles 50km, uma delas foi que a diferença de cor pode passar a ser um problema, quando uma das cores está embriagada, mas este era o cenário mais pessimista, que rapidamente abandonei, o optimista era que o estado da bebedeira fosse tão elevado que nem com o gatilho ele conseguisse dar, mas depois surgia outro pessimista... o pior seria se ele estivesse com a patilha de segurança destravada, e desse com o gatilho inadvertidamente, ou quisesse intencionalmente desabafar uns tiros, que naqueles saltos que a carrinha dava, podiam ter vários destinos.
Finalmente “desci à terra” e pensei que aquilo que estávamos a fazer era sem duvida a melhor decisão, a mais sensata, e como não havia outras hipóteses, voltei a concentrar-me na escolha selectiva dos buracos, mas agora, de uma forma ainda mais cuidada, já que não convinha de todo deixar cair o senhor agente de Patente = alienado.
Após uma hora de aperto chegamos ao Bocoio, e ai , houve outra pequena dificuldade, que foi convencer o senhor agente fortemente alcoolizado, a descer da pickup. Estava à procura das chaves de casa, mas não estava a encontra-las. Já com mais alguma segurança, como estávamos dentro de uma localidade com iluminação e algumas pessoas a passar perto, dissemos-lhe que saísse e procurasse depois. Não foi fácil, e a nossa paciência escasseava cada vez mais.
Lá com paciência, ele acabou por sair da caixa da pickup, e na sua simpatia embriagada, enrolou na boca um, Obrigado e boa noite.
Como estava combinado, troquei de lugar com o Manuel nesta localidade.
A próxima paragem seria no Lobito. Ao sairmos de Bocoio notamos que já tínhamos estrada. O Manuel, como qualquer condutor, em melhores condições de piso, acelerou mais um pouco... até aos 80, 100km/h, a certa altura, cruzamo-nos com um camião que teimava em não sair do meio da estrada, o Manuel começou a encostar à berma, e, no momento em que passamos a 2 dedos do camião, vimos que estávamos no inicio de uma ponte muito estreita... e estreita ficou a nossa vida naqueles instantes, pois não houve tempo para reflexos nem orações, nem sequer quaisquer palavras pouco educadas para o camionista. Juro que foi a mão divina que nos salvou, Juro... 2 dedos de um lado e 3 do outro, não estou a exagerar. A nossa sorte foi o Manuel não ter tempo para reflexos, (virar para fora) por que senão seríamos jantar de crocodilo, ou acrotério em chapa e osso, daquela ponte.
Ainda estávamos a uns 50km quilómetros do Lobito, quando decidimos que iríamos dormir no Lobito, por que já eram cerca de 21h00 e na manhã seguinte iríamos para Benguela, mas desconhecíamos ainda, que haveria outra razão mais forte para dormirmos no Lobito.
Uns quilómetros mais à frente, agora com policia de transito, demasiado sóbrios para aplicar as suas próprias leis, somos ordenados a encostar e parar, então sucede-se o procedimento normal, pedem os documentos, e dão uma volta ao carro. Quando o senhor agente volta para perto do Manuel, diz-lhe, O stop está partido! Após a nossa justificação, diz ele, Não há problemas, levem só aqui o meu colega lá mais à frente, que ele está com os documentos, e é preciso fazer um registo da situação. Ok, mais uma vez, boleia imposta pela autoridade, mas agora sem arma, mas também sem os documentos.
Mais a frente paramos junto da unidade, onde o Manuel, e o senhor agente que simpaticamente nos acompanhou, entraram para o registo da ocorrência.
O registo demorou um pouco, e quando o Manuel estava a regressar ao carro, reparei na sua cara de poucos amigos. Quando entrou, disse-lhe, Ficaram-te com a carta!?!... e agora?, Agora temos que ir ao posto de controlo que fica à entrada do Lobito, esperar que estes senhores das motos, levem para lá a minha carta de condução.
Assim fizemos, mais uns quilómetros de estrada razoável, e chegamos ao posto de controlo do Lobito. Com lei improvisada in loco pelo proprio, o policia que estava nesse posto de controlo, quis ficar com as chaves da pickup, mas como é óbvio, não teve sorte connosco, mas já tinha com ele algumas.
Deviam ser 20h00... para resumir, devo dizer que com a nossa situação, e alguns pior e mais ridículas, estavam mais de 5 pessoas, um deles com crianças no carro. Passamos ali a noite à espera dos senhores das motos, que estrategicamente chegaram às 2h00 da manhã, para dizerem que tinham as cartas de todos aqueles condutores, e que era preciso de irmos todos, à unidade operativa do Lobito. De seguida, entrei para o carro com Manuel, e disse-lhe, Vamos embora, temos que procurar um hotel ou pensão para dormirmos por que já são 2h00, e a palhaçada está a ficar cansativa. Assim aconteceu, batemos à porta de 2 hoteis, e 1 pensão, que estava completa, e num dos outros hotéis não nos abriram a porta, portanto a escolha ficou automaticamente feita.
Tiramos as malas do carro, e colocamo-las nos quartos, e depois fomos à tal unidade operativa onde nos disseram, Voltem amanhã, pelas 7h00.
Parecia praxe... voltamos para o hotel, dormimos umas horas, e pelas 7h00, já estávamos a devorar um pequeno almoço, que após uma viagem de 300km de buracos, entre outras coisas, e tendo passado sem jantar na noite anterior, teve que ser reforçado, também por que adivinhávamos um principio de manhã, com algumas dificuldades.
Pelas 7h30 já estávamos na unidade operativa do Lobito com os nossos camaradas da noite passada, aqueles “criminosos” que tal como nós tinham luzes de stop fundidas, piscas, etc.
Conversa para cá e para lá, com o Pai das crianças que tiveram que dormir a noite no carro, ficamos a conhecer as suas sérias intenções em dar uma “gasosa natalícia” a um dos senhores agentes para libertarem a sua carta de condução.
Estávamos com intenções de pagar a multa, mas apercebemo-nos rapidamente da única solução, quando veio ter connosco um outro senhor agente que, vendo no grupo de 5 pessoas, uma de cor, Eu, dirigiu-se directamente para mim de olhos a brilhar, e sorridente, perguntou, Qual é o assunto, Não é comigo é com estes senhores, Mas você está com eles, Não interessa, a questão é com eles, insisti. Quase que se poderia chamar de racismo refinado, a esta intervenção policial. Primeiramente e antes de chegar perto de mim, o senhor agente dirigiu-se a todos de uma forma arrogante e prepotente, depois quando viu alguém de cor, ficou alegre e simpático, com boas perspectivas.
Para melhor eficácia do esquema montado, o senhor agente informou que o nosso problema só poderia ser resolvido na 2ª feira, e mesmo após o Manuel explicar-lhe que na 2ª já tínhamos voo marcado para Luanda, o policia perguntou, E o que é que eu posso fazer.
A esgrima continuo por alguns minutos, até que o Manuel ofereceu a prenda tão desejada, e em troca teve outra prenda... É o espírito natalício no seu melhor.
Problema resolvido. Depois demos uma volta rápida pelo Lobito, fomos à restinga (parecida com a ilha de Luanda, mas mais pequena e arrumada) e vimos o porto do Lobito, que goza da fama de ser um dos maiores portos da Africa Ocidental.
“Traumatizados” com a nossa recepção no Lobito, seguimos viagem para Benguela que fica a cerca de 30km em estrada relativamente boa. Passamos por catumbela, onde tirei uma foto dos característicos comboios Africanos.
Finalmente chegamos ao Destino, vivos como agora e sempre, de boa saúde e de cara alegre.